Manhã de Inverno
Coroada de névoas, surge a aurora Por detrás das montanhas do oriente; Vê-se um resto de sono e de preguiça, Nos olhos da fantástica indolente. Névoas enchem de um lado e de outro os morros Tristes como sinceras sepulturas, Essas que têm por simples ornamento Puras capelas, lágrimas mais puras. A custo rompe o sol; a custo invade O espaço todo branco; e a luz brilhante Fulge através do espesso nevoeiro, Como através de um véu fulge o diamante. Vento frio, mas brando, agita as folhas Das laranjeiras úmidas da chuva; Erma de flores, curva a planta o colo, E o chão recebe o pranto da viúva. Gelo não cobre o dorso das montanhas, Nem enche as folhas trêmulas a neve; Galhardo moço, o inverno deste clima Na verde palma a sua história escreve. Pouco a pouco, dissipam-se no espaço As névoas da manhã; já pelos montes Vão subindo as que encheram todo o vale; Já se vão descobrindo os horizontes. Sobe de todo o pano; eis aparece Da natureza o esplêndido cenário; Tudo ali preparou co’os sábios olhos A suprema ciência do empresário. Canta a orquestra dos pássaros no mato A sinfonia alpestre, — a voz serena Acordo os ecos tímidos do vale; E a divina comédia invade a cena.
Machado de Assis, in 'Falenas'
sexta-feira, 25 de junho de 2010
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